Ensaios Clínicos de Prevenção e Estabilização da Doença de Alzheimer: Oportunidades e Desafios

 
A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência, para a qual o envelhecimento é o principal fator de risco. Esta é uma doença desafiante em termos de saúde pública, se tivermos em conta o aumento crescente da esperança de vida e da longevidade das populações a nível mundial. Atendendo aos dados epidemiológicos disponíveis, calcula-se que, em 2018, existem cerca de 50 milhões de pessoas com demência em todo o mundo e, atendendo ao número de pessoas que vivem para lá dos 65 anos de idade, prevê-se que este número possa duplicar a cada 20 anos e venha a atingir cerca de 150 milhões em 2050 [1]. O nosso país segue a tendência mundial e, como tal, podemos afirmar que a doença de Alzheimer é responsável por cerca de 50 a 70% dos casos de demência, apesar do número reduzido de estudos epidemiológicos publicados, dedicados a esta doença [2]. Por outro lado, ao avaliar o “peso” socioeconómico da demência, calculado pelo número de anos vividos com incapacidade nas pessoas com mais de 60 anos de idade, quando comparada com outro tipo de patologias comuns no idoso, verifica‐se que a demência é responsável por mais de 11,2% dos anos vividos com grande incapacidade, enquanto os acidentes vasculares cerebrais, as doenças cardiovasculares, ou as várias formas de cancro são responsáveis por 9,5%, 5,0% e 2,4%, respetivamente [3]. Estima‐se que, retardando em 5 anos o início dos sintomas da doença de Alzheimer, a prevalência da doença decresça cerca de 50%  [4], com a consequente redução do desgaste familiar e socioeconómico causado pela doença. Atendendo a estes factos, torna‐se imperioso encontrar e definir medidas terapêuticas e/ou preventivas eficientes para esta patologia. 

Nas últimas décadas, tem havido um forte investimento na investigação dos mecanismos celulares e moleculares responsáveis pelo aparecimento da doença de Alzheimer, o que tem permitido compreender a sua fisiopatologia, identificar potenciais alvos terapêuticos e bio marcadores úteis para um diagnóstico cada vez mais preciso e para a avaliação da eficácia de novos agentes terapêuticos. [5, 6].

As estratégias de intervenção farmacológica desenvolvidas até ao momento são de dois tipos: 1. Terapêuticas sintomáticas, dirigidas ao alívio das alterações cognitivas associadas à doença, em que se incluem os fármacos inibidores das colinesterases e os modeladores do recetor do N-metil-D-Aspartato (NMDA) para o glutamato; 2. As terapêuticas que potencialmente modificam a evolução natural ou estabilizam a doença (“disease modifying”). Estes fármacos inovadores interferem nos processos neurodegenerativos que conduzem à formação e/ou agregação das proteínas patológicas tau e β‐amilóide (Aβ) que se acumulam no cérebro dos doentes. Estas terapêuticas incluem os inibidores da β‐secretase (BACE), uma das enzimas responsáveis pela produção de Aβ, e o uso de anticorpos monoclonais anti‐Aβ que promovem a remoção da proteína. Apesar da expectativa criada pelo desenvolvimento deste tipo de intervenção, os resultados dos ensaios clínicos realizados têm ficado aquém dessa expectativa [7]. Um das razões que poderão justificar estes resultados negativos será o facto de até agora estas intervenções só terem sido testadas nos doentes que já apresentam sintomas, admitindo‐se que nesta fase as lesões cerebrais serão já irreversíveis.  

Sabe‐se hoje em dia que a acumulação de Aβ a nível cerebral se inicia cerca de 2 décadas antes do aparecimento dos primeiros sintomas de doença (fase pré‐clínica), habitualmente um declínio da memória recente (estadio de Defeito Cognitivo Ligeiro – DCL), a que se associam progressivamente outras perturbações cognitivas, com perda da autonomia funcional (fase de demência) e alterações de humor e comportamento. Esta longa fase pré‐clínica abre uma janela de oportunidade para a implementação de estratégias de prevenção da doença [8,9]. Coloca-se então o grande desafio de identificar os indivíduos que, sem qualquer sintomatologia sugestiva de demência, apresentem maior risco de vir a desenvolver doença de Alzheimer e estejam predispostos a colaborar ativamente em estudos desta natureza. Uma estratégia possível para selecionar os participantes em ensaios clínicos, e que reúnam estas características, é identificar pessoas com predisposição familiar/genética para a doença. Neste contexto, o genótipo para a apoliproteina E (APOE) e especificamente o alelo APOE ε4, é o mais importante fator de risco genético para vir a desenvolver doença de Alzheimer depois dos 60 anos [10, 11]. Estas pessoas portadoras do alelo APOE ε4 e, portanto, com maior risco de virem a desenvolver a doença, poderão depois ser avaliadas no sentido de confirmar a presença de patologia amilóide no cérebro, recorrendo à determinação dos níveis de Aβ no líquido céfalo‐raquídeo ou a técnicas avançadas de imagem cerebral como a tomografia por emissão de positrões com o composto B de Pittsburgh (PiB‐PET). 

Esta é uma metodologia de recrutamento inovadora, que permite uma seleção mais precoce e criteriosa dos indivíduos a incluir nos ensaios clínicos que têm como alvo interferir na formação das proteínas envolvidas na morte neuronal, nomeadamente a proteína β‐amilóide (Aβ) [12].

O recrutamento de participantes nestes ensaios clínicos, com base na idade (60‐75 anos), no genótipo APOE (portadores do alelo APOE ε4) e na presença de amilóide cerebral elevada, é crucial para o desenvolvimento de terapias capazes de modificar o curso da doença. Este efeito poderá ser acompanhado e confirmado pelos biomarcadores do líquido céfalo‐raquídeo, ou de imagem cerebral, indicadores da evolução da doença. 

Para conduzir estes estudos, desenvolveu‐se a nível mundial o Programa Generation, que inclui o ensaio clínico Generation 2, que está a decorrer também no nosso país. Os participantes neste tipo de estudos são elementos chave para o seu êxito e para a recolha de dados que irão permitir os grandes avanços terapêuticos num futuro próximo. O recrutamento requer a triagem de uma população cognitivamente saudável, motivada para a realização de um teste genético e para a despistagem do risco de vir a desenvolver a doença [12].

Está assim lançado um desafio e, simultaneamente, uma oportunidade única para participarmos num estudo promissor, desenhado para o tratamento pré‐sintomático de indivíduos com elevado risco de desenvolver Doença de Alzheimer, abrindo novas perspetivas para a implementação de terapêuticas eficientes e, espera‐se, uma nova era na prevenção desta doença.  
 



Isabel Santana,
Professora Associada Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Diretora do Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

Catarina Resende Oliveira,
Professora Catedrática Jubilada da Faculdade de Medicina, Coordenadora da Unidade de Inovação e Desenvolvimento, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Centro Académico Clínico de Coimbra, Universidade de Coimbra 

Novembro de 2018




Referências Bibliográficas 

1.The state of the art of dementia research: New Frontiers. 2018 World Alzheimer Report (https://www.alz.co.uk/research/WorldAlzheimerReport2018.pdf?2)

2. Santana I, Farinha F, Freitas S, Rodrigues V, Carvalho A. 2015 Epidemiologia da Demência e da Doença de Alzheimer em Portugal: Estimativas da Prevalência e dos Encargos Financeiros com a Medicação. Acta Med Port Mar‐Apr;28(2):182‐188.

3. Santana I, Santiago B, Cunha L. 2014 Tratamento farmacológico da Doença de Alzheimer: resultados e expectativas de duas décadas de investigação e tratamento. Sinapse, 14 (1) (S): 920.

4. Brookmeyer R, Gray S, Kawas C. 1998 Projections of Alzheimer´s disease in the United States and public health impact of delaying disease onset. Am J Public Health, 88(9): 1337- 1342.

5. Pereira C, Ferreiro E, Cardoso SM, de Oliveira CR. 2004 Cell degeneration induced by amyloid-beta peptides: implications for Alzheimer’s disease. J Mol Neurosci. 23(1-2):97-104. 

6.  Frisoni B, Boccardi M, Barkhof F, Blennow K et al . 2017 Strategic roadmap for an early diagnosis of Alzheimer’s disease based on biomarkers. Lancet Neurol. 16 (8), Aug:661-676.

7. Vellas B, Pesce A, Robert, P H et al.  2011 AMPA workshop on challenges faced by investigators conducting Alzheimer´s disease clinical trials. Alzheimer’s & Dementia; 7: e109‐e117 .

8.  Morris, J.C. Early-stage and preclinical Alzheimer disease.  2005 Alzheimer Dis. Assoc. Disord. 1:163– 176. 

9. Jansen WJ, Ossenkoppele R, Knol DL, Tijms BM, Scheltens P, Verhey FRJ, Visser PJ 
and Amyloid Biomarker Study Group. 2015 Prevalence of Cerebral Amyloid Pathology in Persons without dementia: A Meta-analysis. JAMA, 313:1924- 1938. 

10. Liu CC, Kanekiyo T. Xu H, Bu G. 2013 Apolipoprotein E and Alzheimer’s disease: risk, mechanisms and therapy.. Nat Ver Neurol, 9 (2): 106-118.
11.Bonham LW, Geier EG, Fan CC, Leong JK, Kukull WA, et al. 2016 Age dependente effects of APOE épsilon 4 in preclinical Alzheimer’s disease. Ann. Clin Transl Neurol 3 (9): 668-677.

12.  Lopez L C, Caputo A, Liu F, Riviere M E, Rouzade‐Dominguez M‐L, Thomas R G,  Langbaum J B, Lenz R, Reiman E M, Graf A, Tariot P N. 2017 The Alzheimer’s Prevention Initiative Generation Program: Evaluating CNP520 Efficacy in the Prevention of Alzheimer’s disease. J Prev Alz Dis; 4(4):242‐