
No dia 21 de Setembro assinalou-se o Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer. Salienta-se neste pequeno apontamento a relevância da música no bem-estar da Pessoa com Demência, com foco nas situações em que a Pessoa tem hábitos de prática instrumental.
Após o diagnóstico de Demência, acontece por vezes que a Pessoa consegue e quer continuar a tocar o instrumento musical que sempre tocou; capacidade que em alguns casos permanece até fases avançadas da doença.
Esta prática instrumental envolve várias formas de memória, isto é, de informação que temos armazenada. Uma dessas formas é a chamada memória procedimental, uma espécie de memória de habilidades, que se forma após a aquisição das competências necessárias para a prática instrumental. Se repararmos, tocar um instrumento musical, acaba por ser uma tarefa complexa que envolve várias competências: auditivas, táteis, motoras, de planeamento motor, de preparação e de execução adequadas; e este saber fica como que automatizado, revelando-se através do tocar, do desempenho. É um saber bastante resistente ao avanço da doença, comparando com as outras formas de memória.
Para além da memória procedimental, há também o envolvimento da chamada memória semântica, relacionada com o conhecimento geral de factos, significado das palavras, objetos, pessoas. Exemplificando: quando a Pessoa consegue, a pedido, tocar uma peça no instrumento, sendo a música apenas referida pelo título, está a fazer uso também da memória semântica musical.
Uma outra memória envolvida no tocar é a memória autobiográfica; memória complexa, pessoal, muito ligada ao nosso sentido de identidade, relacionada com as nossas experiências passadas e com as pessoas que nos são significativas, e que nos dá a perceção e o sentimento de quem somos e temos sido. Sendo que tocar um instrumento musical acaba por ser uma forma muito particular de acesso ao nosso Eu e ao mesmo tempo de exercício e manutenção das nossas habilidades.
Por exemplo, quando uma Pessoa com Demência toca uma peça no instrumento musical que aprendeu, peça que tocou quando era jovem ou ainda infante, peça que tocou várias vezes, em várias situações, o tempo envolvido na sua preparação, o local onde treinava, etc. vai ativar recordações relativas a inúmeras situações, pessoas, momentos da vida, contextos, bem como emoções diferentes que sentiu em diferentes tempos; há, por conseguinte, todo um conjunto de recordações que são ativadas de forma exponencial.
Por isso, quando alguém diagnosticado com Demência, continua a tocar o seu instrumento, há que valorizar, mas em paralelo deixar estar, no sentido de que é provável que com o evoluir da doença o tocar comece a ficar menos “virtuoso”, mais simplificado. É importante que a Pessoa continue a sentir esse momento como um momento de prazer, de forma a evitar-se momentos de pressão em relação ao desempenho. Há que estar atento às capacidades atuais da Pessoa e ter a coragem de recentrar o cuidar através da música naquilo que a Pessoa é e precisa no presente.
Embora me tenha focado mais na prática instrumental, o bem-estar através da música não vem só pelo tocar. De forma geral, toda a música é por natureza social, emocional e mesmo nas situações de não prática, temos algo muito importante: a escuta musical e o envolvimento da Pessoa na música, mormente através do cantar, este tão natural e tão importante para a Pessoa que vive com Demência.
O Musicoterapeuta é o técnico mais indicado para estabelecer um plano terapêutico, que vai sendo ajustado ao longo de todo o processo da doença, de forma a se manter o bem-estar através da utilização da música.
Maria Gabriela Nicolau
Musicoterapeuta Certificada
Casa do Alecrim – Associação Alzheimer Portugal