
Em 2009, abracei um projeto de musicoterapia de 2 anos, na Alzheimer Portugal, o qual incluía uma atividade entre as crianças que frequentavam a infantil da escola do Vale de Alcântara e os clientes do Centro de Dia Prof. Dr. Carlos Garcia. Esse projeto abrangia cerca de 20 crianças e 15 clientes. O deslumbramento deu-se desde o primeiro dia e permaneceu, em mim, ao longo desses dois anos.
Mais tarde, em 2013, foi-me proposto iniciar um projeto similar desta feita na Casa do Alecrim na Alapraia, com as crianças da infantil da escola nº 1 das Areias e com os clientes de Centro de Dia e de Lar desta nova casa também pertencente à Alzheimer Portugal.
Este projeto foi desenvolvido durante o ano letivo de 2013-2014. Às sextas-feiras, por volta das 11h00, surgia a Sul, uma fila indiana com um adulto à frente (a Professora do Jardim Infantil) e um adulto a fechar, e no meio 21 crianças com 5/6 anos; vinham a pé da escola até à Casa do Alecrim. Juntámo-nos durante 24 sextas- feiras. As sessões decorreram em diversos locais da Casa do Alecrim, umas vezes ao ar livre, no pátio interior, outras vezes nas salas de convívio. Cantámos e tocámos até cerca das 11h40m, hora próxima do almoço, quer para graúdos quer para miúdos.
O encanto desta atividade prende-se muito com as interações que verificamos desde o início e que vão criando raÃzes, através de momentos muito significativos, tanto para os pequenos como para os mais velhos. E através de canções simples do repertório tradicional e infantil, fundem-se vozes, trocam-se olhares, abraços, dá-se colo, ensina-se a tocar um instrumentoâ?¦ pretende-se, deste modo, criar momentos significativos para pequenos e para grandes, garantindo no entanto, e sempre, liberdade a cada participante na escolha do envolvimento na interação, de forma que cada um, criança e Avô se sinta respeitado na sua maneira particular de ser.
Um dos momentos bonitos deste ano (e são muitos, muitos esses momentos) verificou-se quando as crianças trouxeram, para oferecer aos Avós, a canção «O Mar enrola na Areia – acompanhado de voz e língua gestual, com uns gestos graciosos, bonitos, doces. Durante a canção, uma das Avós (foi esta a denominação que achámos que seria mais terna para as crianças tratarem os mais velhos), já com alguma dificuldade em utilizar a linguagem, começou a fazer os mesmos gestos que as crianças e então, para além da fusão das vozes entre pequenos e grandes, tivemos também uma sincronia de gestos assim, como se tivéssemos ensaiado durante meses a fio.
Para além destes pequenos grandes momentos, acredito que as crianças vão transportar na sua vida de jovem e de adulto uma mensagem leve destes Avós especiais, «que se esquecem das coisas» como disse uma criança. Efetivamente, ao longo das sessões as crianças foram percebendo que há Avós que precisam de se levantar 1, 2, 3 vezes; que há Avós que por vezes falam sobre assuntos que não percebemos, aliás nem percebemos bem o que dizem, mas que um sorriso, ou levar um instrumento, podem ajudar a acalmar, a situar, a focalizar a atenção e a integrar-se mais facilmente na dinâmica do grupo.
As atividades intergeracionais através da musicoterapia tem sido objeto de vários estudos salientando-se um aumento do conforto na interação e na comunicação das crianças para com os Avós, e uma vez que é uma atividade facilmente estruturável e inclusiva de diferentes gostos e habilidades, tem todas as condições para ser uma atividade sedutora para estas duas diferentes gerações. Assim, através de várias atividades musicais vai-se construindo, ao longo do tempo, uma ponte afetiva entre os grandes e os pequenos. Estudos indicam também que se verifica um comportamento mais orientado e mais espontâneo dos Avós na presença das crianças. (Belgrave, 2009, The effect of a music therapy intergenerational program on children and older adults’s intergenerational attitudes, cross-age attitudes, and older adult’s psychological well-being).
Outro aspeto que considero relevante e que fui verificando com diferentes grupos de crianças é a forma como cada pequeno cria preferência em relação a certo Avô. E assim acabamos por ver alguns Avós, mais fechados na expressão, que pouco ou nada verbalizam, com 2, 3 crianças junto de si a rodeá-lo e a cantar para ele. E vê-se a expressão do Avô a ficar mais doce, mais suaveâ?¦.
Em Outubro recomeçaremosâ?¦.
Maria Gabriela Gautier Nicolau (mestrado em musicoterapia pela Universidade Lusíada de Lisboa)