
A Morte do Meu Pai
Faz hoje um mês que o meu Pai faleceu. É com muita mágoa e tristeza, que estou a escrever o que sinto e a descrever o que aconteceu. O porquê de só agora o fazer? Unicamente porque pensei desde o início, que não queria causar problemas a ninguém, no entanto, não tendo alterado a minha opinião, achei que por mim e por alguns milhões de cidadãos do nosso País, o devo dar a conhecer.
JOÃO Neves nascido a 5 de Junho de 1921, uma pessoa com doença de Alzheimer, deu entrada no serviço de Urgência de um Hospital Nacional no dia 11 de Dezembro de 2008, tendo-lhe sido diagnosticada inflamação respiratória.
Esteve neste serviço até às 20h do dia 16 de Dezembro de 2008 (estava internado em Medicina, no entanto, na sala dos cuidados intensivos, por falta de espaço, como doente de Urgência) altura em que foi transferido para a ?Medicina 2?. Durante a permanência no serviço de Urgência, fiquei com a opinião de que o Hospital tinha boas condições físicas e uma boa assistência de pessoal de enfermagem e auxiliares, a nível profissional e humano. Com os médicos, foi sempre muito difícil o contacto, eram sempre diferentes, o que impossibilitava uma informação actualizada e correcta do estado evolutivo da saúde do meu Pai. Nunca estavam no serviço, nas horas em que era permitida a entrada dos familiares, e nos outros serviços estavam ocupados, o que fazia com que o contacto fosse quase impossível.
No dia 17 de Dezembro de 2008 às 14h30m, quando cheguei ao serviço de Medicina 2 para visitar o meu Pai, foi-me dito para aguardar. Verifiquei através do vidro da porta que estavam várias pessoas à volta d?Ele; pensei que estavam a cuidar da higiene. Passados 30 ou 40 minutos chamaram-me a um compartimento ao lado, para me dizer que ao transferi-Lo da maca para a cama, onde se encontrava desde a noite anterior, O tinham deixado cair e tinha feito um “PEQUENO” corte na cabeça (esta informação foi-me dada por alguém, que não o médico, uma assistente social ??? Não sei?não me preocupei em saber nomes, nem categorias, só queria mesmo ver o meu Pai.
Quando cheguei junto d?Ele estava de olhos fechados e sem reagir a nada, com a cabeça ligada e a gemer (com dores certamente) coisa que durante os 87 anos de vida eu nunca tinha ouvido. Ele era muito saudável e a doença de Alzheimer não dá dores. Não queria acreditar no azar que o meu Pai tinha tido. Ele que tinha tanto medo de cair e que sempre que Lhe eram feitos os cuidados de higiene, segurava-se com toda a força que tinha às pessoas que tratavam d?Ele. Confirmado por mim e pela minha mãe que tratávamos d?Ele e pelo pessoal da Santa Casa da Misericórdia local, que prestavam Apoio Domiciliário duas vezes por dia.
Pedi que Lhe fosse dado algo para minimizar o sofrimento e fiquei até às 21horas junto do meu Pai. Durante todo esse tempo, nunca abriu os olhos nem teve nenhuma reacção, levaram-no por um curto espaço de tempo, para fazer um RX e depois, novamente, para o médico mudar o penso ??? (após 4horas de ter o penso ???). Na altura, a enfermeira disse-me que não tinha nada partido, e quando levou o meu Pai para o médico (mudar o penso), numa sala ao lado, perguntei várias vezes porque é que o médico não vinha ali, foi-me dito que não, que tinha que ser ali ao lado.
Circunstâncias da queda:
Duas senhoras, uma enfermeira e uma auxiliar de saúde, explicam que a queda do meu Pai se deu ao transferi-LO da maca para a cama, agarrando-se Ele a uma delas, e esta ao tirar-lhe a mão que o mantinha seguro a ela, ficou a dar-lhe suporte apenas com a outra mão, que foi obviamente insuficiente, para segurar um idoso com elevado peso ósseo, originando a queda de cabeça.
Nenhum médico me procurou, para me informar do estado de saúde do meu Pai, nem antes da queda nem após a mesma, até ao fim da sua vida.
No dia 18 de Dezembro estive novamente ao pé do meu Pai das 14h30 m até às 20h00. Ele esteve sempre de olhos fechados, alimentado por sonda, com oxigénio e sem reagir. A sonda e o oxigénio já Lhe tinham sido postos antes da queda, a diferença é que Ele falava, respondia ao nome, barafustava quando eu O virava para Lhe fazer a barba. Após a queda, nem mais reagiu.
No dia 19 de Dezembro fui, por volta das 12h00, falar com o médico, que me disse que o meu Pai estava mal, mas não me deu a entender que tivesse horas de vida, pelo contrário, disse-me que segunda-feira logo me explicariam como funcionava a sonda, para eu a saber usar quando Ele fosse para casa. Voltei a insistir acerca da queda, tendo-me dito que este ano ainda não tinha acontecido nenhum caso e que o meu Pai não tinha nada partido mas que não me garantia que Ele não tivesse feito um edema.
Durante a tarde estive sempre ao pé do meu Pai, até às 17h45m. Esteve sempre de olhos abertos. O olho direito (lado da pancada), estava completamente revirado, só se via a parte branca do mesmo. O olho esquerdo parado e parecia olhar fixamente. Continuava sem reagir e eu a pedir que lhe minimizassem o sofrimento. A enfermeira disse-me que o médico tinha mandado tirar a máscara de oxigénio e pôr aquele tubinho junto do nariz, o que parecia fazer crer que a inflamação respiratória não estaria pior, para ser a causa de morte duma certidão de óbito passada às 22 horas do mesmo dia (19 de Dezembro de 2008).
Depois deste relato pormenorizado dos acontecimentos, o que pretendo?
Em primeiro lugar chamar a atenção de quem trata, cuida, lida e tem por perto uma pessoa com doença de Alzheimer. Uma doença cada vez mais comum e cada vez mais diagnosticada em pessoas mais novas. Penso que seria muito importante que o pessoal médico e paramédico tivesse uma formação nessa área. Ao contrário do que muita gente diz, a pessoa com doença de Alzheimer sofre. Não sabe onde está, nem com quem está, nem o que lhe estão a fazer, por isso sente medo, sente-se perdido, desprotegido, inseguro. Tenta segurar-se quando sente que pode cair, fica mais calmo quando sente que é tratado com amor e carinho.
O difícil, é que nem em todos os momentos a pessoa com demência tem a mesma reacção, por isso temos que estar atentos aos estímulos, aos reflexos e tratarmos a pessoa com doença de Alzheimer com todo o respeito que ela deve ter, como ser humano que é. É triste não sabermos dizer que temos fome, sede, frio, calor, dor e estarmos sujeitos à insensibilidade do mundo de hoje e do pessoal hospitalar, que por vezes não chega ao pé dos que chamam, quanto mais dos que, infelizmente, já esqueceram como pedir. Mas estão vivos, e como tal, sofrendo muito e sujeitos ao bom senso, sensibilidade e disponibilidade dos que os rodeiam.
Estou muito triste com o que aconteceu, principalmente por saber que o meu Pai se agarrava tanto, com medo que o deixassem cair, tão criticado que era por causa da força que tinha e mesmo assim não lhe valeu, tiraram-lhe as mãos para o deixarem ir de cabeça e tendo assim uma morte antecipada.
Só depois de morto vi a cabeça do meu Pai e me apercebi da dimensão da lesão. Tinha um corte com cinco ou seis pontos por cima da testa do lado direito e um grande hematoma, do mesmo lado. Lamento profundamente que perante esta situação lhe tenha sido feito unicamente um RX.
Ao estar a dar conhecimento deste facto não é para incriminar alguém. Considero o que aconteceu um acidente, até porque a enfermeira envolvida era meiga e atenciosa.
O meu alerta é para que acidentes como este não voltem a acontecer.
Para a minha paz de espírito e em memória do meu Pai, agradeço uma resposta.
A filha,
Maria Eulália Jerónimo Neves
20 de Janeiro de 2009
Nota: Carta enviada aos responsáveis do hospital onde o pai de Maria Eulália Jerónimo Neves faleceu.