
O Relatório «WOMEN AND DEMENTIA: A GLOBAL RESEARCH REVIEW» da Alzheimer’s Disease International (ADI), publicado em Junho de 2015, revela que as mulheres têm maior probabilidade de vir a desenvolver demência que os homens. Em todo o mundo, a maioria das pessoas com demência ou com risco de vir a desenvolver demência são mulheres, assim como a maioria dos cuidadores, quer familiares, quer profissionais. No entanto, não há registo de que estejam a ser desenvolvidas políticas específicas em resposta a esta realidade nem implementados programas de saúde mais alargados e baseados nas necessidades específicas das mulheres.
As estimativas da ADI apontavam para a existência, em 2013, de 44,35 milhões de pessoas com demência em todo o mundo. Em 2030 este valor aumentará para 75,62 milhões e em 2050 para 135,46 milhões. A grande maioria destas pessoas são cuidadas em casa, muito provavelmente por um familiar do sexo feminino. O relatório evidencia ainda os inúmeros desafios a que as mulheres estão sujeitas enquanto cuidadoras, nomeadamente a nível socioeconómico e doméstico, salientando que, de uma forma geral, as mulheres têm menos acesso a ajuda e suporte que os homens.
À luz destes dados, a ADI apela a todos os países que reconheçam e tomem medidas que respondam ao impacto desigual que a demência tem nas mulheres, de forma a oferecer informação e apoio adequados que permitam às mulheres prestar melhores cuidados e sentirem-se mais valorizadas e apoiadas pelos sistemas políticos, sociais e de saúde.
O grande objetivo deste relatório era perceber os principais assuntos e problemas que afetam globalmente as mulheres no que diz respeito à demência. São abordados os efeitos do género em três grupos específicos: as mulheres que vivem com demência; as mulheres que cuidam de um familiar com demência; e as mulheres cuidadoras profissionais
Prevalência DE DEMÊNCIA NAS MULHERES
As mulheres constituem entre dois terços e três quartos das pessoas com demência
– O risco de demência duplica a cada 5 anos depois dos 65 anos, sendo a idade o maior fator de risco. A esperança média de vida é mais elevada nas mulheres, pelo que existe um maior número de mulheres com demência.
– Os sintomas da doença são mais severos nas mulheres.
– A educação pode ter um efeito preventivo na demência – em algumas culturas as mulheres têm, em média, menos educação que os homens.
– Há estudos que salientam a influência das alterações hormonais no metabolismo cerebral depois da menopausa, nomeadamente a perda de estrogénio, cujos défices podem levar à demência.
A MULHER com Demência
Manter a Identidade
– Dificuldades em aceitar a mudança de papel e de identidade (resistência à passagem de cuidadora principal da família para ser a pessoa que necessita de cuidados).
– O reconhecimento da necessidade de ajuda e suporte é diferente para os homens e para as mulheres.
– Manter a identidade passa por continuar a realizar tarefas associadas ao seu papel prévio na família, continuar a usar os seus objetos pessoais (carteira, mala) e manter os hábitos relacionados com a aparência e cuidado pessoal (forma de vestir, adornos, cuidados com o cabelo, com a pele, maquilhagem).
Manter a Independência
– Reconhecer a necessidade de ajuda é difícil para a pessoa com demência quando é muito importante para ela manter a identidade e a independência.
– Necessidade da pessoa com demência manter o controlo e a capacidade de decisão versus a necessidade do cuidador em assumir o controlo e decidir pela pessoa.
A MULHER CUIDADORA
– Cerca de dois terços das pessoas com demência vivem nas suas próprias casas.
– Os principais cuidadores das pessoas com demência, que assumem a responsabilidade por todos os cuidados e que passam a maior parte do tempo com elas, são frequentemente mulheres (dois terços), geralmente as esposas, filhas ou noras.
Papeis e Identidades
– Transitar para o papel de cuidador: o tipo de relacionamento prévio sofre transformação (marido -mulher ou pai/mãe – filho/a.
– Manter relacionamentos: perda de proximidade, intimidade e reciprocidade nos relacionamentos, especialmente nos conjugais.
– Assumir novas tarefas: a transição para o papel de cuidador implica assumir tarefas e responsabilidades que pertenciam anteriormente à pessoa com demência (cozinhar, tarefas domésticas ou gerir as finanças e o património); para as mulheres, as tarefas domésticas não estão incluídas no ato de cuidar, enquanto que muitos homens consideram estas tarefas um desafio no seu novo papel de cuidadores.
Impacto na Saúde dos Cuidadores
– Ser cuidador de uma pessoa com demência pode ter um impacto significativo na saúde física e mental.
– Os cuidadores de pessoas com demência têm maior probabilidade de manifestar sintomas de depressão e ansiedade e as mulheres apresentam geralmente níveis mais elevados destes sintomas e menor satisfação com a vida.
– Ser cuidador de uma pessoa com demência é um compromisso a longo prazo e, em média, as mulheres prestam cuidados durante maiores períodos de tempo e durante mais horas por dia que os homens, estando, assim, sujeitas a maiores níveis de sobrecarga.
– A sobrecarga das cuidadoras é ainda influenciada por questões sociais e culturais, como a obrigação da prestação de cuidados aos mais idosos e dependentes.
Impacto Financeiro
– Os cuidadores têm frequentemente que realizar mudanças na sua situação laboral e as mulheres tomam mais frequentemente a decisão de reduzir as horas de trabalho ou pararem de trabalhar de forma a poderem prestar cuidados permanentes à pessoa com demência.
– A redução do rendimento mensal é um elemento adicional de sobrecarga das cuidadoras.
Pedir e aceitar ajuda
– As mulheres que cuidam dos maridos em fases avançadas da doença recebem menos apoio da família e amigos do que os maridos que cuidam das suas mulheres.
– Os homens recorrem mais frequentemente a apoio prático e a recursos externos do que as mulheres e estão mais disponíveis para aceitar ajuda para melhorar a prestação de cuidados.
«O Papel do Género na Prestação de Cuidados»
Estratégias para lidar com os desafios
Os homens focam-se sobretudo na procura de soluções práticas para os problemas, criam maior distância e tendem a assumir a tarefa de cuidar com um «novo trabalho». São mais racionais na preservação da sua identidade/papel.
As mulheres focam-se mais na qualidade da tarefa e em estratégias emocionais de apoio; respondem geralmente de forma mais negativa ao stress da situação; os níveis elevados de sobrecarga estão associados a tradições culturais sobre o papel da mulher na prestação de cuidados (os homens recebem, socialmente, maior reconhecimento e elogios por assumirem o papel de cuidadores).
A CUIDADORA PROFISSIONAL
– A maioria dos profissionais que prestam cuidados de saúde e sociais a pessoas com demência e aos seus familiares são mulheres.
– Muitas das mulheres que prestam cuidados profissionais têm crianças ao seu cuidado e pais idosos para apoiar.
– A falta de experiência e formação em cuidados especializados na demência implica lidar com elevados níveis de stress.
PRINCIPAIS CONCLUSÕES
– Em todas as regiões do mundo, a demência afeta desproporcionalmente as mulheres.
– Há mais mulheres com demência do que homens. A prevalência é maior nas mulheres do que nos homens. As mulheres apresentam maior risco de vir a desenvolver demência.
– A maioria dos cuidadores familiares são mulheres, representando dois terços dos casos.
– Esta figura é significativamente maior em países de baixo e médio rendimento, que representarão 71% da prevalência global da demência em 2050.
– A força de trabalho de cuidadores formais é predominantemente feminina, prestando a maioria dos cuidados de saúde e sociais na comunidade, assim como em hospitais e lares.
– Atualmente, há muito pouca investigação centrada nas questões de género sobre como viver com demência, como cuidar de alguém com demência, assim como sobre o impacto a longo prazo da demência nas mulheres.
Recomendações
– Todos os países precisam de compreender a prevalência atual e futura da demência e reconhecer que afeta de forma desigual as mulheres. Os decisores políticos devem rever que tipo de apoios estão disponíveis atualmente e decidir sobre o que é necessário para atender a necessidades presentes e futuras.
– É necessário que se aposte em formação especializada para todos aqueles que lidam e cuidam de pessoas com demência, por forma a prestar-lhes melhores cuidados e preservar a sua qualidade de vida e a dos seus cuidadores.
– Em todas as regiões, deve existir acesso a informação adequada e suporte local, permitindo que as mulheres em todo o mundo possam continuar a prestar cuidados e sentirem-se apoiadas.
Isabel Sousa e Tatiana Nunes
Alzheimer Portugal