
A 4 de novembro de 1906, Alois Alzheimer descreveu em Tubingen, na 37ª Conferência de Psiquiatria Alemã, uma forma de demência que viria a ser conhecida como Doença de Alzheimer (1). A história inicia-se em 25 Novembro de 1901, quando Auguste Deter, uma doente de 51 anos, foi internada em Frankfurt e examinada por Alois Alzheimer.
Apresentava um conjunto de alterações cognitivas que incluíam défice de memória, compreensão, linguagem, alucinações auditivas e epilepsia. Alois Alzheimer, depois de uma estadia curta em Heidelberg, seguiu para a Clínica Psiquiátrica de Munique, tendo seguido Auguste Deter até à sua morte em Abril de 1906. Alzheimer tinha interesses de investigação muito variados que incluíam estudo de doenças degenerativas, vasculares, psicoses e epilepsia. O seu interesse no estudo neuropatólogico das demências foi influenciado pelo seu colega Franz Nissl, que forneceu a Alzheimer novas técnicas histopatológicas para o estudo de doenças neurológicas, o que permitiu o estudo neuropatológico da doença de Auguste Deter após o seu falecimento.
A história da doença de Alzheimer é apenas um dos exemplos da importância do estudo do tecido cerebral para o conhecimento das doenças e avanço da ciência naquilo que é mais importante para todos: a cura. A colecção de cérebros para estudo de doenças neurológicas e psiquiátricas começou no final do séc. XIX (2), mas a recolha sistemática organizada em bancos de cérebros só se inicia na década de sessenta nos Estados Unidos da América (3). Um dos pressupostos base do banco de cérebros para investigação é a correta e detalhada descrição clínica da doença em vida para se perceber a importância das associações entre os achados patológicos e as características clínicas da doença e sua evolução. Só neste binómio clinico-patológico é que é possível dar passos no sentido de tentar compreender doenças tão complexas e multifactoriais como a doenças neurodegenerativas.
Esta recolha de cérebros humanos posmortem organizada em bancos de cérebros permitiu o avanço no conhecimento de muitas doenças do sistema nervoso central e continua a ser o suporte de muita da investigação actual. Os avanços recentes na neuroimagem ou no recurso a modelos animais para estudo têm contribuído significativamente para o diagnóstico e compreensão destas doenças. Contudo, nenhum deles torna o exame neuropatológico de cérebro redundante, particularmente com os novos desenvolvimentos metodológicos ao nível da imunohistoquimica ou genética (4). Apesar do esforço da comunidade médica em estabelecer critérios de diagnóstico mais específicos, a forma de apresentação e evolução clínica podem variar consideravelmente dentro da mesma patologia de base. Assim, a neuropatologia continua a ser um critério necessário para um diagnóstico definitivo. A realização de um diagnóstico preciso, baseado no critério neuropatológico, é essencial para aferir da acuidade do diagnóstico clínico, tem impacto no teste de novas armas terapêuticas e serve de base para a investigação em neurociências básicas (2).
A decisão de doar o cérebro para investigação, pelo doente em vida enquanto capaz ou pela família, é um ato altruísta, pois está essencialmente a contribuir para as gerações futuras. Para existir, um banco de cérebros tem de respeitar todas as regras elementares de ética e de boa conduta, que incluem a existência de consentimento informado, correto tratamento dos dados, confidencialidade e transparência (5).
Portugal dispõe, desde o ano passado, de um banco de cérebros (Banco Português de Cérebros, Portuguese Brain Bank – PBB). O PBB está sediado no Hospital Santo António – Centro Hospitalar do Porto e, para já, pode receber doações referenciadas pelos neurologistas assistentes dos doentes da região Norte. Esperamos que este seja mais um passo no sentido de ajudar a comunidade de investigadores em neurociências e, essencialmente, uma ajuda para a compreensão das doenças neurológicas, nomeadamente da Doença de Alzheimer e outras demências.
Julho de 2015
Ricardo Taipa e Manuel Melo Pires
Portuguese Brain Bank
Unidade de Neuropatologia, Departamento de Neurociências
Hospital Santo António, Centro Hospitalar do Porto
neuropatologia@chporto.min-saude.pt
Referências
1. Alzheimer A, Stelzmann RA, Schnitzlein HN and Murtagh FR. An English translation of Alzheimer’s 1907 paper. «Über eine eigenartige Erkankung der Hirnrinde». Clin Anat 8, 429-431 (1995)
2. Krestzschmar H. Brain banking: opportunities, challenges and meaning for the future. Nature 10, 70-77, 2009
3. Tourtelotte W. Avant propos: a human specimen bank and brain biopsies. Riv Patol Nerv Ment 91, 255-262 (1970)
4. Bell JE, Alafuzoff I, Al-Sarraj S, et al. Management of a twenty-first century brain bank: experience in the BrainNet Europe consortium. Acta Neuropathol 115, 497-507 (2008)
5. Samarasekera N, Al-Shahi Salman R, Huitinga I, et al. Brain banking for neurological disorders. Lancet Neurol. 12(11):1096-105 (2013)