Ensaios Clínicos – Por um Maior Envolvimento do Cidadão

Ensaios Clínicos

No âmbito da sessão plenária sobre ensaios clínicos – por um maior envolvimento do cidadão, na Conferência “Uma Visão Holística sobre as Demências”, que teve lugar em novembro de 2018 em Lisboa, a responsável da área de ensaios clínicos da Novartis, Elsa Branco, teve oportunidade de apresentar algumas noções básicas de ensaios clínicos e o seu interesse para a sociedade. Pode-se definir “ensaio clínico” como uma investigação que envolve a participação voluntária de seres humanos (participantes) e que permite identificar tratamentos mais seguros e eficazes.


 
O plano de desenvolvimento de um medicamento implica uma etapa de investigação pré-clínica e uma etapa de ensaios clínicos. Esta última é iniciada com a avaliação do perfil de segurança em indivíduos saudáveis (fase I); continua com a avaliação da eficácia e segurança a curto prazo e estabelecimento da dose (fase II); posteriormente passa a ser utilizada numa população mais alargada utilizando um comparador (fase III); e continua a ser estudado o seu perfil de segurança após a sua comercialização (fase IV).

Um ensaio clínico é liderado por um Investigador Principal (médico), contudo é executado por uma equipa de investigação multidisciplinar que pode incluir médicos, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de saúde, administrativos, etc. Os ensaios clínicos são promovidos por empresas farmacêuticas, grupos académicos, agências governamentais ou outras organizações
A implementação de um ensaio clínico implica a avaliação de centros de investigação e a formação de uma equipa de profissionais de saúde que irá incluir os participantes e segui-los no âmbito de um protocolo de investigação clínica autorizado previamente pela comissão de ética e autoridades regulamentares.

A participação num ensaio clínico permite ao doente ter um papel ativo na gestão da doença, contribuindo assim para o progresso da sociedade e do conhecimento científico.

 

Participação dos Doentes nos Ensaios Clínicos 

A Miguel Sanches, Diretor Médico da Roche, coube, nesta Conferência, falar sobre a participação dos doentes nos ensaios clínicos, começando por realçar a necessidade de, antes de decidir participar num estudo desta natureza, o doente ponderar os respetivos riscos e benefícios. 

O médico lembrou que, num ensaio clínico, o doente pode não ter qualquer melhoria do seu estado de saúde, uma vez que o novo medicamento poderá não funcionar naquela pessoa. Além disso, em muitos estudos, uma parte dos doentes toma uma substância inerte (placebo). Referiu ainda a possibilidade de poderem ocorrer efeitos secundários desagradáveis, mais ou menos graves, esperados ou não, uma vez que se trata de um novo tratamento.
Miguel Sanches reforçou, contudo, a necessidade da realização de ensaios clínicos, que são fundamentais para o desenvolvimento de novos tratamentos. Os resultados dos ensaios são, de facto, informação muito útil que poderá vir a ajudar doentes futuros.

Os ensaios dão ainda a possibilidade aos participantes de poderem ter acesso aos medicamentos mais recentes, antes de estarem disponíveis comercialmente, assim como ao acompanhamento regular por uma equipa médica qualificada. 
Os direitos e deveres dos participantes nos ensaios clínicos foram também abordados, com destaque para o direito do participante desistir do ensaio clínico quando assim o entender, sem que isso afete de alguma forma a qualidade dos cuidados que lhe são prestados. 
Todas estas questões podem e devem ser colocadas ao médico que propõe a participação da pessoa no ensaio clínico e todas elas deverão ter uma resposta clara e adequada.
Em conclusão, a decisão de participar num ensaio clínico deve ser tomada pelo doente (ou pelo seu representante legal) de forma consciente, esclarecida e autónoma. Só assim a investigação clínica contribuirá de facto para o avanço da medicina e para o benefício dos doentes.

Consentimento Informado em Ensaios Clínicos

O Consentimento Informado deverá ser obtido e documentado seguindo as ICH-GCP e todos os materiais para o participante deverão ser aprovados pela Comissão de Ética (4.8.1).
O participante do ensaio deverá ser informado atempadamente de qualquer nova informação relevante que condicione a sua participação (4.8.2)

Legislação Nacional – Lei n.º 21/2014 de 16 de abril

«Consentimento informado», a decisão expressa de participar num estudo clínico, tomada livremente por uma pessoa dotada de capacidade de o prestar ou, na falta desta, pelo seu representante legal, após ter sido devidamente informada sobre a natureza, o alcance, as consequências e os riscos do estudo, bem como o direito de se retirar do mesmo a qualquer momento, sem quaisquer consequências, de acordo com as orientações emitidas pela CEC, que devem incluir a definição do meio adequado de o prestar, o qual deve ser escrito, sempre que aplicável;

Informação Escrita para o Participante 

a) O ensaio envolve investigação
b) Objetivo do ensaio
c) O tratamento em causa e a probabilidade de o receber
d) Os procedimentos que terão que ser efetuados e seguidos e todos os procedimentos invasivos
e) As responsabilidades dos participantes durante o ensaio
f) Os aspetos do ensaio que são experimentais
g) Riscos e inconvenientes previsíveis para o participante e quando aplicável para o feto/embrião ou criança em amamentação
h) Os benefícios esperados. Quando não se prevê qualquer benefício clínico para o participante este deverá ser informado
i) Os tratamentos alternativos disponíveis para o participante e seus potenciais benefícios e riscos
j) A compensação e/ou tratamento alternativo em caso de sequelas relacionadas com o tratamento em estudo
k) O pagamento previsto (se aplicável) para o participante pela participação no ensaio
l) As despesas previstas para o participante (se aplicável)
m) A participação do participante é voluntária, o participante pode recusar participar ou pode desistir de participar em qualquer altura
n) O monitor, auditor, a CE e as autoridades regulamentares terão acesso direto aos registos médicos originais para verificação dos dados e procedimentos do ensaio, sem violar a confidencialidade do participante
o) Todos os registos que identifiquem os participantes serão mantidos confidenciais, não serão tornados públicos. Os resultados do ensaio serão publicados mantendo sempre confidencial a identidade dos participantes
p) Os participantes serão informados atempadamente de informações que sejam relevantes para a sua vontade de continuar a participar no ensaio
q) Nome e contacto da pessoa que poderá fornecer informação relacionada com o ensaio e com os direitos do participante
r) As circunstâncias e/ou razões pelas quais o participante poderá ter que abandonar o ensaio
s) A duração esperada para a participação no ensaio
t) O número de participantes que serão envolvidos no ensaio

 

Envolvimento dos Cidadãos na Investigação Clínica: O Interesse do Participante e o Interesse da Sociedade

A investigação clínica de novos medicamentos depende do recrutamento de participantes (doentes ou não) para ensaios clínicos.
Os participantes são assim indispensáveis para que haja investigação em novos medicamentos e outras tecnologias de saúde. 
No geral, a investigação é uma atividade positiva que tem como objetivo obter novos conhecimentos para o bem da ciência e da sociedade.
Observaram-se, ao longo da história da investigação, abusos de pessoas e doentes em nome da ciência, apesar dos médicos e outros profissionais de saúde terem obrigações bem definidas nos seus códigos deontológicos. 
Surgiram os códigos de conduta ética. Com estes, a avaliação ética dos estudos de investigação tem como objetivo acautelar os interesses dos doentes face a interesses científicos, socais e económicos.

Quem autoriza a Investigação Clínica?

Infarmed
Avalia os aspetos científicos do estudo e regulamentares do medicamento

Comissão de Ética Competente (Lei 21/2014)
Avalia se os direitos dos participantes estão acautelados e se os riscos foram minimizados na elaboração do protocolo do estudo
A Comissão de Ética Competente é a CEIC (Comissão de Ética para a Investigação Clínica) ou uma Comissão de Ética por ela designada
Conselho de Administração do centro de ensaio
Autoriza a investigação e o recrutamento de participantes no centro de ensaio
Assina o contrato financeiro com o promotor e o investigador



Elsa Branco, Novartis 

Cláudia Duarte, MSD 
Miguel Sanches, Roche 
Fátima Vaz, Mestre em Bioética


Fevereiro de 2019