Investigação: Novos Desafios

Em 22 e 23 de Novembro, a Alzheimer Portugal, para assinalar os 30 anos da sua existência, organizou uma Conferência, cujo mote – “Uma visão holística sobre as demências” – evocava a sentida necessidade de fazer um balanço dos conhecimentos mais recentes e das possíveis orientações no tratamento e acompanhamento dos doentes de Alzheimer, em particular, e com demências, no geral.
É forçoso reconhecer, sem o mínimo espírito alarmista, a amplitude crescente do problema social e económico trazido pelas demências aos serviços de saúde dos estados e à sociedade, em especial àqueles em que a esperança de vida é maior. Paradoxalmente, as melhores condições sanitárias e bem-estar social, ao permitirem um envelhecimento por muitos mais anos, ajudou a que o número das doenças cuja prevalência aumenta com a idade se tornasse mais frequente.
As demências englobam nessa designação doenças de causas diversas, mas cujo resultado final é, em grande parte, o declínio cognitivo e funcional que leva, com o tempo, à dependência por perda de capacidades e de autonomia.
Algumas causas são neurodegenerativas, designando este termo um conjunto de processos biológicos, alguns de origem genética, que acarretam o disfuncionamento cerebral. Outras causas são mais imediatas, como as que resultam de doença vascular, de infeção, de toxicidade. O paradigma de doença neurodegenerativa que causa demência é a Doença de Alzheimer. Compreender a fisiopatologia (os mecanismos) da doença é, pois, necessário para entender como se geram as alterações e como se podem combater.
Na Conferência, para além da evocação e homenagem a duas figuras importantes da Alzheimer Portugal, o Prof. Doutor Carlos Garcia e a Dra. Maria Leonor Guimarães, foi lembrado algum do caminho percorrido na perceção da demência, das necessidades dos doentes e das respostas encontradas. Mas, mais do que isso, foi lembrada a importância da resposta global a estes doentes, desde os cuidados médicos às terapias não farmacológicas, do apoio às famílias até às necessárias respostas sociais. 
Falou-se do que tem sido feito na investigação clínica, dos medicamentos em uso e dos medicamentos em investigação. Falou-se do necessário envolvimento dos doentes na investigação científica e da sua importante participação nos ensaios clínicos. A medicina moderna apoia-se na medicina da evidência, isto é, baseada nos conceitos do conhecimento científico e, através da experimentação, procurando evidenciar e demonstrar que um determinado tratamento tem efetivo interesse para o doente, superior ao que seria produzido por um tratamento placebo. São os ensaios clínicos que permitem verificar, cientificamente, se um medicamento é efetivo e ainda quais os seus efeitos colaterais, inconvenientes ou convenientes.
Grande parte da atual investigação farmacológica dirige-se à correção dos mecanismos do sistema nervoso que sabemos estarem afetados nesta doença. Isto é, substâncias que atuam na redução ou impedem a formação de beta-amiloide, que impedem a proteína Tau de originar tranças amiloides, que impedem a atividade inflamatória, protegendo os neurónios de proteínas tóxicas, ou ainda bloqueando os recetores 5HT6, permitindo um aumento de acetilcolina disponível. Estes estudos são dirigidos ao tratamento, mas também à prevenção da doença em doentes de risco.
Outros caminhos não farmacológicos têm sido procurados e foram brevemente evocados na reunião, por exemplo, o estudo da possibilidade de tratar por estimulação cerebral profunda, com elétrodos implantados, circuitos cerebrais disfuncionais em doentes com doença de Alzheimer, como já hoje é possível em doentes com Doença de Parkinson. Ou ainda através de estimulação magnética cerebral não invasiva, procurando influenciar aqueles mesmos circuitos. São estudos ainda em fase muito precoce, com muito poucos casos avaliados, e que por isso mesmo devem ser considerados como hipóteses de futuro. A Alzheimer Portugal deve acompanhar e apoiar todos estes estudos, para perceber como se move a investigação e poder informar os seus associados. 
Não menos importante é acompanhar a investigação básica que estuda os mecanismos intrínsecos da doença. A investigação básica é fundamental nesse conhecimento. Todavia é necessário perceber que a divulgação de determinado achado não se traduz imediatamente numa medida prática para tratar a doença. Com frequência, tomamos conhecimento de pequenas-grandes descobertas, divulgadas pelas revistas científicas e pela comunicação social, criando natural expectativa e agitação. Na maior parte das vezes, porém, são necessárias várias pequenas descobertas e muito tempo para, a partir delas, se conseguir um tratamento útil e prático.
Foram ainda abordadas outras medidas importantes na doença e na prevenção da Doença de Alzheimer. Essas de aplicabilidade imediata. Refiro-me à atividade física e intelectual, à dieta e à prevenção das doenças. É ponto assente a utilidade, para os doentes e os não doentes, da atividade física, como verificado em alguns estudos comparativos de populações que praticavam exercício diário com outras de vida mais sedentária. Sabe-se que tem utilidade também noutras patologias como a doença cardiovascular. Resta saber, nos pratos da balança, se é o exercício físico que protege a saúde cognitiva ou se é esta que motiva e permite o exercício. O mesmo se aplica à atividade intelectual e, por acréscimo, à interação social, ambas pertinentemente associadas à saúde cognitiva. Deve ser um dos objetivos da Associação promover o conceito da utilidade da estimulação física e cognitiva, e pugnar pela criação e utilização de centros vocacionados para esse efeito, especialmente adaptados à população mais idosa.
Outro objetivo, não menos importante, é melhorar a literacia da doença e dar atenção às co-morbilidades que as pessoas com demência apresentam frequentemente. E mostrar a necessidade de combater a hipertensão, diabetes, obesidade, patologia do sono e o uso correto dos medicamentos. A alimentação, para estes efeitos e como prevenção da demência, também merece atenção, sendo hoje indicadas dietas do tipo da dieta mediterrânica e similares, que privilegiam legumes, frutos, cereais, peixe e carne (pouca) grelhada ou cozida, com restrição de gorduras de origem animal e utilização preferencial do azeite.
Por fim, não deixou de ser discutida a importância das leis que protejam as pessoas com demência nos seus direitos e na situação de incapacidade, e ainda nas ajudas aos cuidadores e no reconhecimento da importância destes na prestação de cuidados, daí decorrendo a necessidade de um estatuto que os contemple.
Sendo necessários tratamentos e cuidados nas fases graves da doença, o Serviço Nacional de Saúde deverá ter os meios para os fins de prestar esses tratamentos e cuidados, sendo necessária uma adaptação e criação de novas estruturas vocacionadas para o efeito.
A Alzheimer Portugal, tendo já um longo caminho de divulgação e ajuda às pessoas com demência e seus familiares, irá certamente prosseguir essa linha de pedagogia e ajuda cada ano mais necessárias. 
Celso Pontes
Neurologista
Coordenador da Comissão Científica da Alzheimer Portugal

Fevereiro de 2019