
O exemplo de Malta para a criação de um Plano Nacional para as Demências
Entrevista com Charles Scerri
Charles Scerri foi secretário-geral da Malta Dementia Society desde o seu início em Setembro de 2004 e em 2008 foi eleito para a Direção desta Associação. A nível profissional, leciona Neuropatologia e Neurofarmacologia na Universidade de Malta.
Em Junho de 2012, Charles Scerri visitou Portugal, como convidado da Alzheimer Portugal para a 26ª Reunião do GEECD (Grupo de Estudo de Envelhecimento Cerebral e Demências), onde fez uma apresentação intitulada “From Paris to Malta: A road map towards a National Dementia Plan” sobre o seu trabalho desenvolvido em Malta para a implementação de um Plano Nacional para as Demências.
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O Dr. Charles Scerri trabalha há vários anos com a associação de Alzheimer em Malta. Um dos seus maiores desafios foi a implementação de um Plano Nacional para as Demências em Malta. O plano ainda não foi implementado, mas estão no bom caminho, certo?
Temos vindo a trabalhar no Plano para as Demências em Malta desde Maio de 2009, quando o Grupo de Estratégia para a Demência de Malta foi lançado pelo Departamento Maltês dos Idosos e Comunidade, com a tarefa de apresentar uma série de recomendações às autoridades que iriam funcionar como um fio condutor para a criação de um Plano Nacional.
Um dos objetivos deste Grupo de Estratégia era avaliar a situação da demência naquele momento e iniciar um processo de consultoria em larga escala com todas as partes interessadas que trabalhem com pessoas com demência, bem como com o público em geral.
O relatório de recomendações foi apresentado às autoridades de saúde em Janeiro de 2010 e o Plano Nacional para as Demências encontra-se na sua fase final, estando agora a ser discutido a nível administrativo. O nosso objetivo é que o Plano seja aprovado e implementado ainda em 2012.
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Como define todo este caminho? Tem sido uma dura batalha?
No início, foi uma batalha muito difícil. Quando a Malta Dementia Society foi fundada em Setembro de 2004, tínhamos uma sociedade em Malta para a qual a demência ainda era considerada como um assunto tabu, do qual ninguém queria falar. As pessoas com demência ainda estavam rotuladas, dando origem ao isolamento e estigma social.
Naquela altura, nem mesmo as autoridades de saúde estavam realmente interessadas no tema da demência, não sendo este considerado um assunto de interesse público. Na verdade, um dos principais objetivos da Malta Dementia Society foi aumentar a consciencialização e os conhecimentos sobre as demências entre os profissionais de saúde e o público em geral.
A nível governamental, Malta começou a revelar interesse na temática, após a Conferência de Paris em 2008, onde os decisores políticos de toda a Europa se reuniram para discutir a demência a nível Europeu. A partir de então, o Governo maltês mostrou-se mais disponível para discutir esta questão e fazer algo para melhorar o estado da demência em Malta. Isto aconteceu também devido ao facto de a população de Malta estar a envelhecer progressivamente.
Estima-se que em 2050, quase 30% da população de Malta terá mais de 65 anos e que o número de indivíduos com demência atingirá os 3,3% da população.
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Quais são as principais características do Plano Nacional que estão a tentar implementar em Malta?
O Plano de Malta para as Demências contém uma série de objetivos que se pretende que sejam atingidos até 2020. Alguns deles incluem a necessidade de aumentar a consciencialização e o conhecimento sobre as demências entre a população em geral e entre os profissionais de saúde, através do desenvolvimento de campanhas orientadas, da necessidade alcançar o diagnóstico precoce e de aconselhamento tanto no momento desse diagnóstico, como posteriormente.
Pretende-se também apostar numa abordagem holística para a intervenção não-farmacológica e farmacológica nas pessoas com demência, na melhoria dos serviços de cuidados de saúde, na prestação de cuidados paliativos, na promoção de princípios éticos, fornecendo formação especializada aos profissionais saúde e reforçando a investigação e a vigilância na área das demências.
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Quais foram os principais desafios e obstáculos que foram encontrando em todo este processo para a implementação de um Plano Nacional?
Nos últimos anos, os conhecimentos sobre as demências entre o público maltês aumentaram significativamente, sendo mesmo consideradas por muitos uma prioridade de saúde pública por muitos. Embora exista ainda muito trabalho a ser feito, alguns serviços já estão disponíveis para as pessoas com demência, incluindo uma linha de apoio, um centro de atividades especializadas para pessoas com demência e unidades especializadas de cuidados a longo prazo.
Embora ainda não tenha sido publicado, algumas partes do Plano Nacional para as Demências já foram implementadas, nomeadamente a disponibilização gratuita de medicação específica para a demência. A oferta de formação a nível superior também tem aumentado significativamente nos últimos anos, passando assim os nossos futuros profissionais a estar mais bem preparados para lidar com casos de demência.
As demências são, de facto, doenças bastante complexas e dispendiosas e qualquer plano precisa de ter um suporte financeiramente viável. Nos dias de hoje, em que vários países da Europa enfrentam graves situações de instabilidade financeira, o financiamento de um Plano Nacional continua a ser o principal obstáculo.
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Na sua opinião, quais são as principais vantagens da implementação de um Plano Nacional para as Demências?
A principal vantagem é que o Plano irá permitir a criação de estruturas através das quais as pessoas com demência, os seus cuidadores e familiares receberão os cuidados de alta qualidade que merecem.
É um plano com uma abordagem de cuidados centrados na pessoa, que privilegia o valor humano, independentemente da idade e do estado cognitivo, respeitando a sua dignidade ao longo das várias fases de progressão da doença.
Com um Plano Nacional pretende-se, também, melhorar a qualidade de vida das pessoas que cuidam destes indivíduos e que assumem a maior parte dos encargos inerentes à prestação de cuidados.
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Acredita que, uma vez implementado, o Plano Nacional se repercutirá numa melhoria da qualidade de vida das pessoas com demência e dos seus cuidadores, bem como num aumento do número de diagnósticos precoces da Doença de Alzheimer e outras formas de demência?
Este plano tem potencial para nos permitir enfrentar os vários desafios que as demências colocam à população em Malta. Pretendemos lançar as bases para que se verifiquem mudanças ao nível do diagnóstico, tratamento e gestão da evolução destas doenças. Estou esperançoso e confiante de que os objetivos a que nos propusemos no Plano irão melhorar a qualidade de vida destas pessoas, dos seus cuidadores e familiares.