Está a decorrer em Portugal um ensaio clínico em Demência Frontotemporal genética, causada por mutações no gene da progranulina (PRGN). O ensaio intitula-se Estudo de Fase 3, Multicêntrico, Aleatorizado, em Regime de Dupla Ocultação, Controlado por Placebo, para Avaliar a Eficácia e a Segurança de AL001 em Indivíduos em Risco de, ou com, Demência Frontotemporal devido a Mutações no Gene da Progranulina. É patrocinado pela empresa farmacêutica Alector, e os centros de ensaio são o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), em Coimbra, e o Hospital CUF Descobertas, em Lisboa.
A Demência Frontotemporal é uma das causas mais frequentes de demência, particularmente de início precoce. Numa percentagem significativa de casos, a Demência Frontotemporal é causada por mutações em um de 3 genes principais, C9ORF72, MAPT e PRGN. Em Portugal, existem várias famílias identificadas com mutações da PRGN. A realização de ensaios clínicos em participantes com mutações do gene PRGN parece particularmente promissora. De facto, existe uma estreita associação entre a redução dos níveis de progranulina e as manifestações da doença. Notavelmente, nos ensaios prévios de fase 1, o medicamento experimental foi capaz de normalizar os níveis de progranulina no soro e no liquor de portadores de mutações PRGN. O perfil de segurança, embora se conte um número reduzido de participantes até ao momento, foi favorável.
Poderão participar neste ensaio clínico pacientes com Demência Frontotemporal causada pela mutação da PRGN, obviamente num estádio de doença ainda compatível com os procedimentos do ensaio clínico. Mas um aspeto de particular importância é serem também recrutados familiares pré-sintomáticos, portadores da mutação PRGN, concedendo genuinamente ao ensaio um carácter potencial de prevenção da doença. Na nossa experiência, muitos membros destas famílias desconhecem se são ou não portadores do gene PRGN mutado, mas manifestam vontade de lutar conta a terrível situação que assola a família. Nestes casos, será efetuada, no âmbito do estudo, e integrada num procedimento inicial de rastreio, uma consulta formal de aconselhamento genético, conduzida pelo geneticista clínico pertencente à equipa de investigação do estudo, em tudo conforme aos princípios éticos e disposições legais aplicáveis. O geneticista clínico explicará em detalhe as circunstâncias e implicações, para o próprio e seus familiares, do conhecimento do estado genético referente ao gene PRGN. Só depois será realizado o estudo genético numa amostra de sangue.
Adicionalmente, para poder participar no estudo, o familiar pré-sintomático portador do gene PRGN mutado terá de revelar, no procedimento inicial de rastreio, o aumento do nível de um biomarcador chamado neurofilamento de cadeia leve (neurofilament light chain, NfL) no sangue. O NfL é libertado quando as células nervosas sofrem qualquer lesão. Nesta circunstância particular, o aumento de NfL servirá como biomarcador de que existe um processo de neurodegenerescência em curso, indicando que provavelmente nos próximos anos o participante desenvolverá sintomas de Demência Frontotemporal.
Temos seguido, nos centros de Lisboa e de Coimbra, membros de famílias com mutações do gene PRGN. Para estas famílias sobrecarregadas por uma doença trágica, afetando pessoas relativamente novas, muitas vezes com alterações comportamentais de difícil controlo, e na ausência de qualquer terapêutica específica aprovada, o presente ensaio representa, estamos convictos, uma assinalável esperança. Para os investigadores da área clínica, consternados por recentes insucessos, esta nova estratégia terapêutica poderá abrir uma janela ampla para o tratamento, não só da Demência Frontotemporal associada a mutações da PRGN, ou mesmo de mutações noutros genes, mas da própria Degenerescência Lobar Frontotemporal esporádica, e porventura das doenças neurodegenerativas em geral.
Isabel Santana
Alexandre de Mendonça