
Se essa preocupação…
…que sente de há uns tempos para cá tem a ver com alguns sintomas ou sinais que nota em si e que o levam a pensar se tem a doença dos esquecimentos, isto é, a doença de Alzheimer, vamos tentar ajudar na orientação que pode aceitar, caso queira esclarecer melhor, e dentro do possível, as dúvidas que vão surgindo.
Por um lado, esquecimentos e distrações toda a gente tem. Até as crianças, sobretudo em determinadas fases do crescimento (o nosso cérebro vai amadurecendo e só atinge a maturidade completa lá pelos 24 anos de idade…). Por outro lado, às vezes é como se tivesse uma “branca”, há um hiato de que não se lembra mesmo nada, não consegue preencher esse período, nem encontrar referências. Às vezes sente também que lhe acontece não prestar a devida atenção a determinados assuntos ou tarefas que costuma desempenhar por rotina, e com os quais nunca teve qualquer problema. Mas, de repente, deixou de perceber como costumava fazer.
É verdade que tem tido ultimamente muitas e grandes preocupações: no emprego as coisas não estão bem e a esposa anda doente, sem que se saiba o que tem. O crédito que pediu ao Banco, também não sabe como há-de pagar porque teve que acudir a umas despesas com o carro da filha. Por isso, não é de admirar que não consiga trazer a tensão controlada. E deprime-se com mais facilidade do que seria de esperar.
Saiba que há procedimentos que pode fazer para tirar essas dúvidas e que são simples, implicando só ter que tirar algum tempo.
A primeira coisa a fazer é ir ao seu médico de família, ou ao médico de recurso, e pedir-lhe orientação. Ele vai querer ver exames recentes (importa saber se tem aumento das gorduras e do açúcar no sangue: colesterol, triglicéridos e glucose; e se a função cardíaca está bem, por exemplo) e, dependendo da sua idade e do seu historial pessoal e familiar, vai eventualmente pedir-lhe mais um ou outro exame.
Depois vai ajudá-lo a corrigir o que está mal e voltar a avaliar. Se calhar, neste meio tempo já recuperou um pouco das suas queixas iniciais.
Mas se continua a sentir sintomas que o inquietam, ou se não lhe sai da cabeça a imagem da avó que foi ficando cada vez mais limitada até ficar mesmo demenciada e ter tido que ir para um Lar, é importante que tire as dúvidas e parta para a certeza. Mas como?
Saiba que, mesmo que conseguisse um diagnóstico de certeza, nós não dispomos ainda de meios para tratar, e muito menos curar, a maior parte das demências (aliás, tirando algumas exceções, nós a maior parte das doenças não curamos, tratamos só, porque não sabemos mais até à data).
Portanto, depois de avaliar os seus exames e de proceder a uma consulta mais minuciosa, que pode logo incluir alguns testes (de memória, de atenção e de avaliação das suas capacidades no dia-a-dia, por exemplo), pode justificar-se pedir-lhe mais exames. As causas para as suas queixas podem ser muito variadas. Por exemplo, um medicamento que ande a tomar (para as dores, ou para a ansiedadeâ?¦), ou uma doença hormonal, como da tiroide, ou uma anemiaâ?¦
Já deve ter ouvido falar na TAC, que quer dizer tomografia axial computorizada, e é uma espécie de radiografia mais completa ao cérebro. É normal pedir-se este exame, que não custa nada a fazer numa qualquer clínica particular ou oficial. Depois vai-lhe pedir, muito provavelmente, mais testes. Não se assuste, vai achar piada, são divertidos e vão ajudar a perceber melhor a que nível se situam as suas dificuldades de memória, de raciocínio, de cálculo, etc, e como pode corrigi-las. E, mais importante do que tudo o resto, alguns destes testes, de lápis e papel, com figuras desenhadas e outras para copiar, conseguem prever, com 10 anos e mais de antecedência, se a pessoa corre o risco de vir a ter demência.
Por fim, se for encaminhado para um centro mais especializado vão muito provavelmente propor-lhe que faça um exame que consiste numa punção lombar para extração de líquido cefalo-raquidiano (um líquido que circula num canal da coluna vertebral). Esse líquido dá uma ideia da quantidade e da qualidade de determinadas proteínas existentes no nosso cérebro (a beta amiloide e a tau), que se pensa serem causadoras de demência, embora não haja certezas absolutas.
Este exame, a punção lombar, exige ser feito em centros ultra-especializados, (Genomed em Lisboa e o Laboratório de Neuroquímica, FMUC em Coimbra) por ter alguns riscos. A pessoa deve ser previamente bem esclarecida, e dar o seu consentimento, por escrito, só depois de sentir que está bem informada e de que é isso que quer. Estamos aqui a falar de pessoas, como é o seu caso, que estão na plena posse das suas faculdades.
Saiba que, mesmo fazendo este exame, não vai por ora ter benefício de cura, porque ela não existe. Dependendo do resultado da análise, pode no entanto vir a ser inserido, mais facilmente, em futuros ensaios clínicos.
Não sendo um teste preditivo em absoluto, deve, mesmo assim, revestir-se de alguma delicadeza, e ser complementado por um estreito apoio à pessoa, para que não se sinta desamparada nas suas dúvidas, inseguranças e medos. Deve envolver técnicos conselheiros especialmente treinados para avaliar previamente a capacidade que a pessoa tem de lidar com os resultados, e também para a acompanhar daí para a frente, de forma a prevenir eventuais comportamentos de risco.
Dito isto, voltamos à sua preocupação inicial. Ao que pode e deve fazer, caso se tenham confirmado algumas falhas, que agora só o tempo irá esclarecer.
Pode e deve corrigir o que está mal, por exemplo a tensão arterial, os diabetes, o colesterol, toda medicação em curso, seja para o que for, os seus hábitos diários ou semanais (andar mais a pé, estar com amigos, dar um passeio, ver uma exposição, ler livros de humor, fazer exercícios de distração como sudoku, ou outros de que goste). Não se isole, nem fique a sós com os seus pensamentos. Embora não tenha que andar a contar a sua vida, saia, o seu corpo e o seu cérebro agradecem.
Pode iniciar apoio com um psicólogo ou com um orientador da sua religião, por exemplo. Encontra também já alguma literatura especializada nas bibliotecas municipais, dê uma espreitadelaâ?¦E se quiser, passe a um dos cafés memória, não precisa de se identificar, pode sempre dizer que vai para ajudar um amigo.
Saiba ainda que, para este e para todos os efeitos, pode determinar aquilo que quer no futuro, caso se veja numa situação em que não possa decidir (um acidente, uma doença). Chama-se a vontade antecipada (numa tradução mais infeliz, também há quem diga testamento vital) e pode ser feito num qualquer notário, e alterado sempre que queira.
Com tudo isto vai ter que tomar mais atenção e mais cuidado, o que só traz benefícios.
Gostaria de lhe poder dizer que tem este ou aquele medicamento para tomar e tratar-se ou curar-se, no caso de ser uma doença da memória, mas a verdade é que, decorridos mais de 20 anos de investigação que consome rios de dinheiro e batalhões de especialistas (nunca houve tanto investimento), não se chegou a resultados que acendam ao menos uma luzinha. E isto, sobretudo para quem está na área, não deixa de ser muito estranho mesmo.
Lisboa, 5 de Dezembro 2014
Olívia Robusto Leitão
Médica Psiquiatra
Membro da Comissão Científica da Alzheimer Portugal